(CONTINUAÇÃO do ARTIGO 35)
C2.
ENTRAVES À EVOLUÇÃO CULTURAL.
Aprofundemos um pouco mais a questão da evolução cultural, buscando
identificar onde estão o que consideramos falhas. Em outras palavras, qual o papel que deveria caber
a um sistema educacional da Marinha (ainda não formal), o qual seria constituído do SEN e do
ensino de altos estudos militares.
C2.1 O PORTÃO DE ENTRADA DE NOVAS IDÉIAS,
OU ATUALIZAÇÕES, É O SISTEMA EDUCACIONAL DA MARINHA
Embora muitos conhecimentos já sejam disseminados no âmbito do que seria o sistema
educacional da Marinhal, há outros, mais atuais, decorrentes de novos
conceitos ou inovações tecnológicas (e às vezes não tão novos assim)
que, advindos do exterior, devem chegar ao ambiente naval e serem
disseminados adequadamente.
Da
mesma forma que o material, cujo portão de entrada são as Diretorias Especializadas, também os novos
conhecimentos deveriam seguir o mesmo caminho.
Reconhecendo isso foram criadas na Marinha as Organizações Militares de
Orientação Técnica (OMOT), instrumentos associados às Diretorias
técnicas e outras organizações, que orientam a introdução de
conhecimentos no sistema de ensino como um todo. Contudo, esses
conhecimentos precisam ser disseminados, e o único meio viável seria um
Sistema Educacional mais abrangente, englobando tanto os cursos do
Sistema de Ensino Naval, como também aqueles ministrados, no mínimo
(considerando também universidades, cursos no exterior etc), pela Escola
de Guerra Naval.
É
fato que no âmbito naval existente (principalmente, se não
exclusivamente, no SEN) são disseminados muitos aspectos técnicos por
meio de diferentes cursos, porém, de uma maneira geral, somente para os
mais baixos postos da carreira e quase sempre com vistas à operação dos
meios navais. Tais cursos profissionalizantes têm a natureza de
especializações.
No
nível dos mais elevados postos da carreira, até Capitão-de-Mar-e-Guerra
(CMG), a preferência dos cursos converge mais para aspectos da Política
e Estratégia navais, sendo praticamente abandonados os aspectos técnicos
e, consequentemente, afastando-se da Logística.
O
aprendizado e a prática dessa ciência vem sendo relegados a um plano
secundário na própria estrutura organizacional da Marinha,
principalmente no que diz respeito ao preparo do Poder Naval. Um
indício dessa observação é que na Instituição nem sequer existe um mero
Departamento de Logística, para coordenar o trato de atividades
principais da Logística (contribuindo para a caracterização de um
Sistema Logístico, o qual englobaria o Sistema de Apoio Logístico).
Sobre
a educação dos escolhidos para os mais altos escalões de mando
(principalmente do Corpo da Armada) há falta de um mecanismo de
disseminação de conhecimentos segundo (metodologia) abordagem
científica dos aspectos técnicos que envolvem a obtenção dos sistemas e
equipamentos. Assim, no Almirantado não existem veículos de propagação
de conhecimentos ou atualizações de natureza técnica, relativos ao preparo do Poder Naval, e nesses últimos
postos não se identifica a participação de altas patentes em quaisquer
cursos de atualização. Embora isso possa ser uma tendência comum (mas
não normal, se atentarmos para um outro artigo do professor Marins), ela
tem que ser combatida.
Desse
modo, ao chegar ao Almirantado, a visão que predomina, segundo os
aspectos técnicos dos mais diversos problemas navais é a visão
administrativa absorvida pelos oficiais até o posto de
Capitão-de-Mar-e-Guerra, praticamente fruto somente da operação de
equipamentos e sistemas de defesa, em essência, sem ter desenvolvido a
aptidão de gerenciar a tecnologia eficazmente
[1].
C2.2. RAZÕES DAS DIFICULDADES PARA A
ENTRADA DE NOVOS CONHECIMENTOS NA MARINHA
Observa-se, no inventário intelectual da Marinha, principalmente nos
mais altos postos do Corpo da Armada, “desconexão” entre o
administrativo e o técnico [2].
Um
observador externo poderia vincular esse fato a uma certa resistência
interna em receber (não de absorver) conhecimentos advindos do meio
ambiente.
Procuramos buscar interpretação, de caráter estritamente pessoal, que
ratifique essa observação, qual seja a de que há dificuldade do ambiente
corporativo naval de absorver colaborações visando à melhoria contínua
dos processos nele praticados. Isso acontecia normalmente, no nosso
entender, principalmente pela falta de atualização dos oficiais, com
base em metodologia do conhecimento científico.
Em
primeiro lugar, cabe a constatação de que existem de fato circunstâncias
institucionais que contribuem para criar tais dificuldades (como por
exemplo a alta rotatividade nas diferentes funções). São elas a seguir
citadas, escolhidas segundo visão muito pessoal, sujeita pois, às mais
variadas críticas:
C2.3 CMG DE HOJE ... OS ALMIRANTES DE AMANHÃ .... OS MESMOS CMG DE
ONTEM!
Essa
visão reflete o fato de se tratar de um ambiente profissional onde a
crítica, por mais construtiva que seja, raramente é bem recebida em seus
primeiros momentos, levando um período razoavelmente longo para ser
compreendida e absorvida.
E
isso ocorre porquê? Talvez porque tal ambiente seja populado por
profissionais que vivem as mesmas circunstâncias administrativas e cujo
conhecimento comum é adquirido dia a dia, pela prática contínua de
atividades gerenciais daquela natureza (por sinal, comuns também em
várias outras atividades profissionais), do início ao fim da carreira e,
eventualmente, de atividades de natureza profissional específicas, em
alguns poucos momentos da carreira.
Com
conhecimentos e aptidões niveladas por um sistema educacional comum,
dificilmente um daqueles profissionais aceita a superioridade de
conhecimentos do outro, e tende a rejeitar idéias novas, em princípio.
Ainda
mais, não existem mecanismos eficientes que aportem conhecimentos com
base científica oriundos de visão exógena a esse sistema educacional,
muito embora esses conhecimentos estejam disponíveis em várias fontes,
em face da velocidade com que circula a informação. Em outras palavras,
não existem mecanismos eficientes de aporte externo, pela metodologia
do conhecimento científico, que possam melhorar o desempenho
individual, na medida em que se galga os postos mais elevados da
carreira (os indivíduos freqüentam sempre os mesmos cursos internos,
onde predomina o conhecimento vulgar).
Fecha-se finalmente um ciclo vicioso, em que estagiários ou alunos
desses cursos, ao se graduarem, irão exercer funções no órgão de
assessoramento geral, onde emitirão pareceres que os chefes superiores
endossarão, e que servirão de orientação aos indivíduos que estão na
execução das demais atividades da organização, os quais irão freqüentar
os mesmos cursos de altos estudos, e eventualmente chegarão aos postos
do órgão de assessoramento geral, tudo dentro de um mesmo nível e padrão
cultural.
Conforme já mencionamos anteriormente o aporte de novos conhecimentos só
pode acontecer via Educação – Ensino. Isto é, o Ensino na Marinha é o
portal de entrada dos conhecimentos, como de fato o Ensino o é em
qualquer outra área de trabalho. E se não for praticada uma metodologia
científica para trato dos conhecimentos, novos conceitos e inovações
tecnológicas não serão incorporados na cultura institucional vigente.
Em
resumo, é um ambiente onde prepondera o conhecimento comum, que tem
algumas características indesejáveis, como bem frisou
Lakatos [3],
são valorativos, reflexivos, assistemáticos, falíveis e inexatos. Faz
falta a prática da abordagem dos diversos assuntos pela metodologia do
conhecimento científico.
C2.3 Um agravante nesse quadro é que quando
esses profissionais chegam aos postos de direção ou mando do
Almirantado, acredita-se que saibam o necessário, embora não mais
recebem novas informações nem internas, nem externas, por meio de cursos
regulares, palestras ou atualizações (o que a rotina do dia-a-dia até
impede de receber, o que é, pelo menos, comum de acontecer – conforme,
ainda, o mesmo artigo do professor Marins).
De
certa forma, no ambiente militar, o alto mando permanece com a cultura
institucional adquirida até o último escalão de promoções que não sejam
as por escolha (exceto pelo esforço próprio de ler, de ouvir e
acima de tudo, fazer) Daí em diante não mais têm tempo de se submeter
aos estágios de atualização e aperfeiçoamento, bem verdade que, as vezes
até patrocinam, mas não freqüentam.
Se
esse alto mando, presidência ou direção, fosse na instituição privada,
esses executivos correriam o risco de serem alijados da equipe por
incapacidade, pois não iriam gerar os resultados desejados (normalmente,
lucro). É claro que se não houvesse essa penalização, eles não teriam a
mínima preocupação em se atualizar.
|
|
Verificado a possibilidade desse particular ambiente cultural, em alto
grau estanque aos impulsos cognitivos endógenos, vejamos o que acontece quando surge uma consideração de
aprimoramento de origem externa, na Marinha, encaminhada a um elemento com eventual capacidade de mando.
De um modo geral, nesse ambiente cultural, a sugestão ou
observação chega ao conhecimento do executivo-chefe, dirigente (seja que título for), que sem conhecimento sobre
aquele assunto não a analisa e a encaminha, imediatamente, para seus subordinados opinarem. As soluções nã
o são, normalmente, absurdas, tendo em vista o conhecimento profissional e o bom-senso, porém, podem não ser
otimizadas (acima de tudo, com visão holística). Mas, seja o que resultar, quem encomenda irá endossar, feitos os
devidos ajustes pessoais, como se conclusão funcional fosse!
Visto isso, inferimos que só poderá ocorrer mudanç
a de paradigma nesse ciclo vicioso se ocorrer um rompimento no âmbito das organizações educacionais,
normalmente e em particular naquelas de altos estudos. E esse rompimento seria, normalmente, fruto de uma argumentação
individual (ou de um grupo de estudos) que convença um executivo, com eventual capacidade de chefia, a decidir pelas mudanç
as naquelas organizações de ensino.
Um
aspecto que pode atrapalhar o fluxo da chegada de novos conhecimentos ao
ambiente naval é, sem dúvidas, a possibilidade de que os cursos de altos
estudos, sendo normalmente requisitos para avançar aos escalões de comando
ou direção, possam impor aos estagiários ou alunos o risco de
condicionamento pela preocupação acadêmica, onde a forma dos trabalhos
prepondera sobre os conteúdos. Talvez surjam idéias novas de alguns mais
ousados mas, as que surgirem, estarão sujeitas ao lápis “bi-color” dos
avaliadores, que normalmente são os mesmos indivíduos oriundos do ambiente
viciado a que nos referimos linhas atrás. De um modo geral os trabalhos
finais de cursos dessa natureza seriam “aceitáveis”, mas iriam habitar as
prateleiras das bibliotecas especializadas, onde estariam fadados ao
empoeiramento até a próxima limpeza geral, em busca de mais espaço.
Mais
tarde, indivíduos assim formados poderiam ser então promovidos aos postos de
presidência, gerência, direção, que título tomassem, e seriam vistos como
omni-sapientes, como linhas atrás mencionamos.
Esse é um
processo perverso que se observa em muitas instituições e a única
possibilidade de rompimento se dá através das organizações de ensino, pela
introdução e disseminação de novos conceitos e conhecimentos, normalmente
de origem externa e preferencialmente segundo metodologia de conhecimento
científico.
No âmbito
do Ministério da Defesa essas organizações são as escolas de altos estudos.
Na Marinha, citaríamos a Escola de Guerra Naval, onde se estuda com
profundidade o que é o Poder Naval (com as deficiências apontadas, no que
diz respeito ao seu preparo, quando a temática é abordada apenas
superficialmente), sua aplicação e seus elementos.
Toda essa
dialética tem a ver com a obtenção dos sistemas de defesa navais, em
especial dos navios de guerra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
Marinha, por meios das ações de governo a partir do ano de 2008, recebeu
gigantescas tarefas, das quais decorrem múltiplas e complexas
responsabilidades, que se não forem atendidas adequadamente resultarão em
resultados altamente negativos.
Considerando as tarefas relevantes do Poder Naval, que é de preparar e
aplicar os sistemas navais de defesa, observando a atual postura
eminentemente operativa da Marinha, e tendo em vista o incremento do Poder
Naval que se vislumbra, torna-se flagrante a necessidade de conhecer os
aspectos técnicos de como se prepara tal Poder.
Tal fato
parece ser corroborado pela natureza da própria Estratégia Nacional de
Defesa, que tem forte conteúdo voltado para a tecnologia.
Olhando
sob outro prisma, ainda que na mesma direção, observamos que acima de tudo
são elementos e componente essenciais do Poder Naval suas expressões
visuais, que são os navios e submarinos, bem como o
componente essencial que o elemento humano.
Cuidado
especial deve, pois, ser dispensado a esses elementos, os primeiros
conhecendo-se e praticando, se possível for, o processo de obtenção dos
sistemas de defesa navais e, relativo ao ser humano,
principalmente daqueles que irão conduzir os destinos da instituição naval,
um preparo apropriado para gerenciar e conduzir os aspectos técnicos
adequadamente. Essas tarefas caberia ao Sistema de Ensino da Marinha
(englobando SEN e demais instituições de ensino, principalmente as de altos
estudos) por sinal parte do Sistema Logístico que ela deveria ter.
Entendemos que isso não vem ocorrendo em função da falta de abordagem
adequada ao processo de preparo do Poder Naval. A tradição é a
construção de sistemas de defesa, deixando muito a desejar em termos de
concepção e desenvolvimento de projetos (design). Já a
aplicação do Poder Naval é tratada com a profundidade apropriada, e daí
resulta capacitação apropriada, porém de operadores.
O preparo
do Poder Naval muito tem a ver com a concepção e o desenvolvimento dos
sistemas de defesa de que precisa. Um dos elementos principais são os
navios, os quais nascem do planejamento militar-econômico de longo prazo e
chegam aos Programas de Modernização depois de muitas contribuições de
vários atores.
A escolha
do tipo apropriado, bem como da quantidade a produzir, são processos
complexos, que requerem metodologia da qual decorram estratégias de obtenção
a serem definidas. O erro na escolha dessa estratégia pode levar à
complicações semelhantes as que ocorreram com os atuais submarinos
australianos da classe Collins [4].
Muito
embora essas estratégias contemplem a possibilidade de construção partindo
de especificações e planos obtidos de terceiros, ou a modernização de navios
já existentes, isso não exclui a necessidade de conhecer todo o processo de
obtenção desses elementos dinâmicos do Poder Naval, a fim de evitar falhas
nos contratos de obtenção. Isso passa pelo domínio de várias disciplinas,
como a Logística de Obtenção, a Engenharia de Sistemas, a Engenharia
Logística, apenas para citar algumas, e depende sobretudo de considerar a
LOGISTICA, tanto sua aplicação na estrutura organizacional, como na
estrutura educacional.
Relativas
ao ensino, citamos linhas acima que a Marinha trata as diversas atividades
navais segundo abordagem eminentemente operativa. O preparo para o
preparo do Poder Naval tem sido relegado a um segundo plano. Em outras
palavras, importantes aspectos da Logística são negligenciados.
A cultura
dos oficiais de marinha deve sofrer aprimoramentos, evoluindo dos aspectos
puramente de operadores, para receberem conhecimentos técnicos que
enriqueçam as atividades administrativas que todos praticam ao longo de toda
a carreira. Principalmente para aqueles oficiais que chegarão aos altos
postos de mando e que irão decidir os destinos da instituição, como sói
acontecer com os indivíduos do Corpo da Armada.
Essa
cultura institucional que sofre restrições de atualização em face de
mecanismos institucionais inadequados, principalmente no que diz respeito à
introdução de novos conhecimentos, deve ser revista e aprimorada, no sentido
de evitar um processo vicioso que pereniza a mesmice. Os pontos
perversos desse processo circular, podem ser condensados:
1. Não
costuma haver, e se houver, tem lenta receptividade, sugestões ou
considerações de origem exógena que contribuam para aprimorar os processos
da instituição naval.
2. Mesmo
quando alguma dessas contribuições chega ao ambiente interno da instituição,
visando ao aprimoramento de algum processo, quando são consultadas as
pessoas que tem ligação com o processo, elas tendem a assessorar os chefes
que irão determinar sua implementação (se pertinente), dizendo que
normalmente tudo já está sendo feito, por razões óbvias;
3. Em
virtude do mecanismo de preparo dos profissionais, como mencionado linhas
acima, a instituição naval trilharia sempre os mesmos caminhos, seguindo um
mesmo padrão cultural, pois dificilmente haveria rompimento que alterasse o
paradigma seguido.
Só poderá
ocorrer o aporte de novos conhecimentos e inovações tecnológicas se as
informações pertinentes entrarem na Marinha, vinda do meio ambiente, por
meio do Sistema Educacional, aí considerados o SEN e as Escolas de altos
estudos, como a EGN, sendo que as Diretorias Técnicas devem configurar o
portão de entrada desses novos conhecimentos.
Tudo isso
só poderá ocorrer por meio da valorização dos conhecimentos da LOGÍSTICA,
até porque as atividades educacionais fazem parte do seu contexto, como deve
ser do conhecimento de todos.
É
necessário enfatizar que deve ser desenvolvida mentalidade de que o preparo
do Poder Naval muito tem a ver com a concepção e o desenvolvimento dos
sistemas de defesa que precisa ter. Deve ser conscientizado, também, que a
escolha do tipo apropriado, bem como a quantidade de produção, são processos
complexos, que requerem metodologia da qual decorram as estratégias de
obtenção a serem definidas.
Muito
embora essas estratégias contemplem a possibilidade de construção partindo
de especificações e planos obtidos de terceiros, ou a modernização de navios
já existentes, isso não exclui a necessidade de conhecer todo o processo de
obtenção desses elementos dinâmicos do Poder Naval, a fim de evitar falhas
nos contratos de obtenção. Isso passa pelo domínio de várias disciplinas,
que devem ser incorporadas aos currículos dos diversos cursos navais.
Daí
decorre que o Ensino na Marinha precisa de vários aperfeiçoamentos com
vistas, principalmente, à abordagem de todos esses aspectos acima
mencionados.
***
|